Ao ser perguntado sobre como fizera a escultura de David, com quase 4,5 metros em um só bloco de mármore, Michelangelo disse: "foi fácil, fiquei um bom tempo olhando o mármore até nele enxergar o David. Aí, peguei o martelo e o cinzel e tirei tudo o que não era David!"
Por instantes
de olhos fechados
senti o peso
e a força do martelo
batendo no cinzel.
Bate bate bate.
Incessante.
Contundente
e ensandecido.
Arranca pedaços.
Firmes, suados,
parcos, intensos.
Transe.
Entrega.
Forma-se
o que já há.
Todo o resto
é excesso.
Camadas,
mais mais e mais
camadas inúteis
são descascadas.
O que levou
Michelangelo
a encarar David?
A estátua estava
sem a cabeça
de Golias
nas mãos.
Um David
de pupilas
dilatadas.
Tensão.
Era o momento
que antecedia
o confronto.
Talvez
os entalhes
tenham sido
em sua própria
carne. E ela
já não
era quente.
Era fria,
pedra.
Vi lascas
de mármore
sendo atiradas
ao espaço
e tochas
das trevas
iluminando,
em âmbar,
o Renascimento.
Essas memórias de quando estive diante do David me levam a pensar: debaixo de tudo que não somos, somos? Em qual momento deixamos de ser? Ou nunca deixamos? A dualidade é una? Luz e sombra. Somos. Partícula e onda. Mármore e David. Michelangelo e pedra. Martelo e cinzel.
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